quarta-feira, 23 de abril de 2014

Posso Mudar?

           Às vezes eu me pergunto o que faz uma pessoa ir a um restaurante, olhar um cardápio e aleatoriamente começar a montar outro prato que não está descrito ali, mudando as guarnições e modificando todo o prato original. Particularmente, me perdoem o talvez exagero, mas considero uma ofensa. E explico.
                Os pratos num restaurante são autorais. Alguém pensou neles com muito carinho, estudou sua composição, sua montagem, elaborou uma ficha técnica, para que se possa verificar o preço que ele custa e aplicar uma margem de lucro que o pague, que pague quem o executa, pois afinal, é preciso prestar contas sobre isso. Além disso, existe a gramatura de cada item, para se igualar o peso geral de todos os pratos, para que todas as pessoas, que escolham um prato ou outro do cardápio, não se sintam injustiçadas com essa escolha. Afinal, vamos combinar, existe algo mais desagradável do que pedir um prato e notar que o seu amigo que escolheu outro levou a melhor, com um prato mais bem servido?

                Elaborar um cardápio dá um trabalho danado. Existe uma coerência de que linha o restaurante vai seguir, que cozinha (brasileira, asiática, francesa..) é a escolhida, que louça será servida, os utensílios adicionais, além de problemas mais sérios, como estrutura da cozinha, quantas bocas de fogão, quanto espaço de refrigeração, quantos equipamentos a casa possui, qual o tamanho da equipe que vai trabalhar, que tipo de serviço será executado, pois por exemplo, para empratados, é necessário uma grande bancada.
                Isso sem contar com o ritmo de trabalho. Em cozinha se trabalha em equipe e existem as brigadas. Quem fica no fogão, quem fica nas guarnições, quem fica nas entradas. Quando se “canta” a comanda, pede-se o nome do prato, e quem é do fogão corre para selar a carne, o peixe , ou o que for, e automaticamente, quem está nas guarnições, os acompanhamentos, já corre para fazer tudo ao mesmo tempo, e chegar à bancada do chefe para a montagem na mesma hora, garantindo a mesma temperatura. Quando se pede para mudar guarnições, o ritmo da cozinha quebra, tem que se parar para falar com o garçom que vai explicar o “novo” prato, quem está na guarnição tem que parar prá verificar o que vai montar, além de mexer nas gramaturas, que é o peso de cada acompanhamento. Sem falar no pobre do garçom que tem que ficar um tempo enorme anotando todas as observações.


                Então, como se vê, é um efeito dominó. Atrasa a cozinha, atrasa as mesas subseqüentes, e gera por fim, mais stress, num ambiente que por si só, já é nervoso. Além do mais, chefes têm carinho e orgulho pelas suas criações. Não se pede para um compositor mudar a letra de uma música, não se sai modificando um quadro de um pintor e também não se pede a uma mãe para pintar o cabelo de um filho, só para experimentar como fica.  Assim, (a não ser que existam restrições alimentares e o chefe seja consultado) por que não dar uma chance a quem se esmerou tanto para elaborar um prato de experimentar o que foi pensado, com pesos balanceados, com sabores que combinam entre si, e verificar a sua opinião? Então, antes da fatídica pergunta “posso mudar?” que tal pensar, se não na rejeição prévia do prato pensado com tanto carinho, nas pessoas ao redor, que sofrerão com a sua atitude? Confie no chefe, escolha seu prato e bom apetite.

terça-feira, 22 de abril de 2014

O QUE COMEM OS CHEFS?


                Um dia, em uma aula que eu estava ministrando, uma aluna me perguntou com interesse, se todos os dias, eu comia pratos assim, empratados, bonitinhos e tal. Isso me deu um feedback da ilusão que se tem da vida de um chefe de cozinha. Todos limpinhos e impecáveis sentados à mesa com muita calma, sendo servido de um pratinho todo bonito, com muitas daquelas frescurinhas que gostamos de colocar. Lamento, mas isto está muito longe da verdade de um restaurante, e fatalmente da vida de um chefe.
                Em um restaurante, a prioridade para se alimentar é do cliente. Quando esse restaurante tem uma grande demanda, é lógico que a correria tem que ser prá se dar conta das produções, de todo o pré-preparo necessário a um restaurante a La carte. Nessas situações, às vezes o chefe simplesmente não come. Não dá tempo. Aliás, às vezes falta tempo até prá cozinhar pro Staff. Evidente que num restaurante existe a responsabilidade de alimentar toda a equipe e então temos que delegar, pois não se pode deixar essa equipe com fome. A comida deve ser simples, rápida e pensada prá deixar toda a brigada alimentada o suficiente prá agüentar a correria da cozinha e do salão, mas ao mesmo tempo, leve na medida do possível para suportar a jornada sem cansar.
                Então, depois de seis dias na semana cozinhando, testando, escrevendo cardápio, suando, quem deseja ir outra vez para o fogão prá cozinhar prá si mesmo? Quando eu morava em Florianópolis, o porteiro do prédio ficava impressionado quando eu chegava com comidas prontas e me dizia que eu cozinhava prá todo mundo, menos prá mim. É verdade! E eu sei cozinhar! Já fui flagrada por clientes com quentinha, já trouxe para casa desses congelados prontos de supermercado, e já comi coxinha de posto (gostosa por sinal, posso recomendar o posto). Evidente que não quero fazer desses meus hábitos alimentares. Não é saudável. É o que tem sido possível (mas isso eu não recomendo).
                Aí eu vou ser obrigada a confessar o inconfessável. Final de noite, depois de correr prá um lado e prá outro, se queimar, se cobrar, cobrar da equipe, montar muitos pratos, abrir e fechar forno a 250 graus, tudo o que se quer é relaxar um pouco. Como ninguém quer ir a um restaurante de um amigo e forçá-lo a fechar mais tarde, o habitual é correr para um lugar mais próximo. Em Natal eram os Postos de gasolina que tinham sempre uma conveniência aberta com uma cerveja gelada e onde se podiam fazer os comentários gerais da noite, numa espécie de reunião informal. E esse é até o lado mais VIP, pois existem aquelas paradinhas mais undergrounds que eu não vou entregar.

                Portanto, chefes alimentam bem, mas não necessariamente se alimentam bem. Evidente que existem dias em que é possível se fazer uma comidinha mais caprichada, é possível sentar-se a uma mesa, e também pedir um prato do cardápio, pois é necessário fazer avaliação de como eles andam saindo da cozinha. Mas o maior luxo é convidar um chefe amigo que esteja desejoso de mostrar uma novidade para a sua casa, e então se deliciar com uma excelente refeição. Por sorte, eu tenho alguns!